domingo, junho 08, 2008

Para os sem namorado

Fabrício Carpinejar
Especial para O POVO

Perdi a chave de casa. A argola estava solta do molho, mas não tomei nenhuma iniciativa de contenção de portas em meu bolso. Deixei que a sorte me favorecesse.

Ao chegar ao apartamento, de noite, sem ninguém para atender, não localizo a chave. Procuro e procuro pelo casaco, calça e fechos da bolsa. Reconstituo o trajeto de costas, aliso o chão, cavo a neblina. Desesperado como um esquilo comendo. Os braços são joelhos brincando de morto-vivo. Não havia como me concentrar. Sempre que altero o esconderijo, me comprometo com um novo arranjo de dicas. Restava aguardar que alguém viesse mais cedo, sentar na portaria como um refugiado de enchente e continuar mentalizando: "onde diabos botei a coisa?" Tudo perde o nome e se transforma em coisa quando perco.

No extravio, somos obsessivos. Não trocamos de raciocínio, não deslocamos as visões, não conseguimos mais fazer o que tínhamos para fazer até resolver aquilo. Um breve lapso, e as conexões da rotina se interrompem bruscamente.

Doloroso foi o dia seguinte. Infernizar a agenda, mudar a fechadura, receber o homenzinho com as ferramentas, duplicar as cópias, entregar para a babá e dormir com a lição de que a pressa me envelheceu.

Novamente tranqüilo (castigo pago com juros), vou guardar a japona e apalpo um objeto pontiagudo no forro. Vejo que o bolso está descosturado no canto esquerdo. Agora que não preciso mais, recuperei a chave, com seus dentes rindo de escárnio.

É sempre assim.
A única vez em que dirigi sem carteira (ficou na cômoda e era tarde para retornar), fui parado por uma blitz. A primeira da minha vida, justo no momento em que não carregava o documento. Tenho o presságio de que a Polícia Rodoviária possui um radar de pânico dos motoristas. Os guardas enxergaram meu batimento fora do normal, e pediram para encostar. Apreenderam o veículo, e debocharam da minha verdade como se fosse uma mentira mal contada.

O encalhado quando caça também não acha seu par. Não é por ausência de vontade, talvez seja o excesso, a ansiedade, a pressão em resolver sua vida naquele instante daquele jeito (Encalhado mesmo é aquele que consulta a data de validade da camisinha).

Sente-se duplamente negado: por si e pelos outros. Parte da concepção de que os outros estão informados de sua abstinência e jejum. E o terrível é que a maioria realmente desconfia. O encalhado respira a falta de sexo, já pede desculpas com as sobrancelhas. Subentende que é um fracassado, camuflando o estigma da mão solitária com a protuberância de anéis. Desabafa no mais sutil cumprimento. Age como eu farejando a chave ou fugindo do policiamento. Com idéias fixas. Modelando a memória para diminuir a culpa. Censurando-se por ter perdido algo (sua idade, sua fantasia, sua ingenuidade).

Não dançará à vontade ou participará de discussões, tão coagido a eleger sua cara-metade. Não irá se divertir; converteu o namoro num pré-requisito do prazer. O encalhado não conversa, investiga. Não flerta, conduz entrevistas de candidatos. Pergunta o que exigiria anos de observação. Encurralado pela falta de tempo que é ter todo o tempo do mundo.

Aos amantes solteiros, pense em mim no Dia dos Namorados antes de chorar emprestado. Ao desistirem de procurar, é certo que vão encontrar.


Fabrício Carpinejar é poeta, autor de Um terno de pássaros ao sul (Bertrand Brasil, 2008) e Diário de um apaixonado (Mercuryo Jovem, 2008).

sábado, junho 07, 2008

pausa

queria a palavra certa

o instante urgente

queria a música que não acaba nunca

preu poder deitar meu canto no (a)braço do teu violão

quero ainda o tempo de música, carinho, verdade

o tempo onde não cabe mais nada além de compreenção

esbarro no sentido de cada palavra dita sem pensar

e com pesar me calo depois do silêncio se impôr

queria a palavra certa de torcer teu interior

torcer até pingar fora tudo quanto fôr secreto demais até pra ti

o que me cabe nessa canção é pausa

e na pausa não canto

sinto e silencio

sexta-feira, junho 06, 2008

saudade - edaduas

que coisa me ocorreu agora.

olha a grafia:

saudade e -da - duas!

pois é.

precisa de pelo menos 2 pra essa dona nos tomar.

e olhe que nem é o passado que me deixa com uma carinha de dar dó de mim.

é do futuro!

ando me arranhando por dentro de saudade.

me digo assim:

isso é bem problema teu.

me respondo:

ainda bem. sou duas. a interna e a externa. numa só.

faltam mais dois.

mas nem sob tortura eu falo aqui.

preu não ouvir, deve ser.

perguntas e repostas e eu sempre consigo dar conta.

essa saudade, idade, duas almas que não se encontram mas não se largam.

eu já sei que minha missão na vida passa por você. como quem precisa ser filtrada.

eu já sei que sem você eu vivo bem. eu sonho, produzo, me encontro, me entrego.

eu sei bem que caminhando com o vento, como tem acontecido eu vou já me desligar da sua presença, tendo você em mim como tenho sempre. Tendo você em mim, não preciso ter você.

que terrível e que maravilhoso. Não há limite. algum.

mas nada disso é bom. bom mesmo é saber que daqui a pouco eu lhe beijo. daqui a pouco você me liga e diz: tou com saudade de tu, meu desejo.

e eu sei que não preciso viver sem você. somente porque você me diz e eu acredito.

oh saudade, que coisa. escrevo e não passa...

pensei que fosse dar vida a essa página em branco e ela aquietasse esse constante roçar dentro de mim.

mas cada vez que a vida acontece, mais trabalho se apresenta. só não quero ter saudade de você do seu ladinho. nunca mais.

adeus saudade. não te preciso mais.

vou-me embora pro futuro, lá sou amiga do rei.

lá o rei somos nós.